COMENTÁRIO

Tudo a seu tempo

O presidente dos Estados, Barack Obama, tenta ser um homem do seu tempo. A internet foi estratégia importante na sua caminhada rumo à Casa Branca e, mesmo agora, quando precisa convencer a pátria da necessidade das medidas que tenta implantar para conter os efeitos da crise financeira mundial, ele usa a rede para melhor acesso a corações e mentes já interligados. Não será o primeiro nem único caso de político a se render aos encantos (e perigos) da mais fascinante teia de comunicação e relacionamento jamais criada pelo homem.

Acabo de voltar de breve estadia de 10 dias a minha cidade natal. Não houve ocasião em que saísse às ruas em Manga e que não fosse abordado por pelo menos um leitor aqui deste Blog. É gente de todas as idades, sem prejuízo dos conterrâneos e contemporâneos que, ainda não muito íntimos das novas tecnologias, confessassem recorrer aos filhos, mesmo os que estudam longe, para saber o que foi escrito sobre os fatos mais importantes da política local:

- Filho, abre aí o computador e veja o que o blog está dizendo -, ouvi de algumas pessoas.

A cidade conta atualmente com cerca de 400 assinantes dos serviços oferecidos por dois servidores de acesso à internet, segundo informação de Mauro Ramos – que a vem ser proprietário de um deles. Há ainda 17 assinaturas do jornal "Estado de Minas", o principal do Estado, 27 do "Hoje em Dia" e cinco do diário "O Tempo", todos da distante capital Belo Horizonte. As folhas chegam pelo ônibus ali pelo meio da tarde e só caem nas mãos dos seus leitores ali no início da noite -- quando o cansaço já não ajuda muito a leitura.

Há ainda dois jornais locais, que circulam quando Deus permite, devido às dificuldades de convencimento do arredio anunciante, e quando saem, é para estampar manchetes de trasanteontem do trasanteontem. Algumas bem simpáticas ao mandatário que está no plantão. Rádios também as há, mas sem muita importância para o contexto que se aborda aqui, já que não fazem jornalismo e se limitam a tocar música -- quase sempre de péssima qualidade.

De modo que, desconfio, este blog, sem maiores pretensões, feito à guisa de lazer e a quase 1.000 km de distância da cidade de 15 mil habitantes lá do do extremo norte-mineiro, começa a ganhar status de concorrente local ao poderoso "Jornal Nacional" da TV Globo, ainda que em visível desvantagem devido ao fato de se ter muito mais aparelhos de TV do que computadores nos lares locais. Falo de audiência qualificada, que dá repercussão, claro, pois não há como fazer sombra ao quantitativo de espectadores de Willian e Fátima Bonner que, por outro lado, nem sabem da existência da cidade.

Tudo tem um preço. Esse do repentino sucesso do blog é o de que seu autor virou persona non grata no município em que veio à luz, um estrangeiro completo entre os seus, ora vejam! Minhas letras, de tão pobre estilo, são vistas de soslaio e com desconfiança por oposições e situação da política local. Uma unanimidade, como se vê, mas ainda assim muito lido entre os filhos da terra que já tem a graça de ter acesso à internet, pelo que pude perceber.

Voltando a Barack Obama, que eletrizou o eleitorado jovem americano com o seu "Yes, we can!", o grande trunfo dessa imprensa blogueira é o seu custo quase zero e o imenso poder de incomodar. Não faltam exemplos de sujeitos que, municiados apenas do seu computador, causam dores de cabeça a corporações gigantescas, dessas que dizem ser o cliente a principal razão de sua existência, mas que trata com verdadeiro desdém quem cai na esparrela de acessar seus canais de atendimento ao consumidor.

A realidade que os tempos modernos impõem é a possibilidade de fazer o "jornal de um homem só", que não depende da verba publicitária nem da autorização implícita do prefeito ou de quem quer que seja. Parodiando Obama: - Sim, nós podemos! É possível ao internauta estabelecer um nível de militância improvável há até bem pouco tempo. A notícia de que a Câmara Municipal de Manga aumentou os vencimentos dos seus integrantes em 75% e que o prefeito passou a ganhar R$ 12 mil desde janeiro passado correu mundo com uma facilidade nunca vista. E incomoda. Natural que quem está acostumado a resolver tudo com argumentos de força e poder fique desnorteado diante do novo cenário.

Alguém já disse que o melhor desinfetante é a luz do sol. Boa sacada. Este Blog, que nasceu meio de brincadeira, toma dimensões insuspeitas. E a turma próxima do poder atual lá da terra natal fica meio arredia, com acenos à distância e pouca conversa. É o provincianismo no seu grau máximo. Nem falo do prefeito, que é um sujeito já arredio no seu natural, desses que não costumam mostrar entusiasmo nem pelos gols da seleção nacional durante uma Copa do Mundo, mas que tem o mérito de não ter mudado após entrar para a política. O conheço há de 20 anos e ele sempre foi assim, o que não é ruim, considerado o estrago que o seu oposto, os demagogos, fazem quando chegam ao poder.

Pude perceber, na minha curta estadia na cidade, que os rancores da última eleição faíscam no ar. Da oposição, que jura ser o blog instrumento de combate da situação, a coisa é até mais explícita. Eles não gostam nem sabe o que é. Detestam assim mesmo, só de ouvir falar. Mas eu dizia dos rancores que, por diversos motivos, sobraram da última eleição e o que se percebe é uma guerra-fria, que deve estourar quando o momento se oferecer oportuno.

Mas voltemos ao tema internet. Não demora muito e a cidade terá 1.000 computadores interligados. Antes do que se imagina, a banda larga vai chegar aos usuários locais, dando mais qualidade às conexões e atraindo novos adeptos. Aos 400 atuais manguenses com acesso à rede (multiplique por cinco, média do número de usuários por máquina, considerando os usuários das lan houses e telecentros), somam-se ainda outras centenas de filhos da terra espalhados pelos quatro cantos do país. Audiência qualificada: gente que está na faculdade ou que deu a volta por cima e saiu do isolamento pátrio. É mesmo para incomodar o fato de que, muito deles, vez por outra, passam por aqui. Sem falar na repercussão na imprensa regional e, vez por outra, quando o assunto é bom, na grande imprensa dos mineiros. Yes, we can? Pode ser que sim.

Há garotos de 15 anos na cidade com pés e mãos na rede e que já fazem coisas inimagináveis há até bem pouco tempo (gravam vídeos no celular e jogam no YouTube, conversam com meio mundo, arriscam a produzir, ainda que de forma rudimentar, com as ferramentas que lhes caem em mãos...). Têm o mundo à sua frente. O futuro não é mesmo muito promissor para estruturas de poder que dependam da ignorância do distinto público para se viabilizar.

Vá lá que, do meio dessa turma, surjam amanhã ou depois uma ou duas vocações de jornalistas locais, em tempo real, e com poder de alcance não mensurável. O negócio incomoda. E eles certamente vão poder muito, fiscalizar os deslizes da turma do andar de cima e, se existir algum talento, trazer isso para o domínio público e do público. Quanto mais popular a rede se torna, maior será seu poder de fogo. Este modesto precursor, agora um estrano no ninho, ainda pode ser lembrado como referência e pela capacidade de equilíbrio e moderação. Subestimar o novo não é a melhor coisa a fazer.