sábado, 14 de junho de 2008

TRANSPARÊNCIA ZERO


Prefeitos do Norte de Minas não gostam de prestar contas, diz Asajan


Falta de fiscalização e dificuldades de acesso ao Judiciário faz com que prefeitos deitem e rolem sobre o dinheiro público


Por Fábio Oliva - Cortesia para o Blog


Imagine administrar anualmente milhões de reais alheios, sem ter que dar nenhuma satisfação aos verdadeiros donos do dinheiro. Embora pareça esdrúxula, esta é a situação de boa parte dos prefeitos do Norte de Minas. A aversão de muitos prefeitos em prestar contas do que fazem com os recursos dos munícipes vem abarrotando de processos o Ministério Público e o Poder Judiciário numa das regiões consideradas mais pobres do Estado.

Com freqüência cada vez maior, promotores e juizes são instigados a intervir para obrigar prefeitos a cumprirem a lei e prestarem contas aos vereadores e cidadãos. A omissão no dever de prestar contas é estimulada pela falta de fiscalização. Segundo a organização nã-ogovernamental de combate à corrupção Associação dos Amigos de Januária (Asajan), a tendência é de recrudescimento. "Assim que o prefeito se elege, procura cooptar o máximo de vereadores possível. Se consegue fazer isso com dois terços da Câmara de Vereadores, está blindado contra qualquer tentativa de fiscalização por parte do Poder Legislativo", explica o presidente da entidade, Cleuber Carvalho Oliva.

"Nas câmaras municipais em que o prefeito tem sob seu controle a maioria dos integrantes, os demais vereadores não conseguem aprovar requerimentos que tenham como objetivo o acesso a informações e documentos necessários realizar fiscalização" – diz o representante da Asajan. A entidade se tornou referência regional em matéria de combate à corrupção. Seu trabalho vem inspirando moradores de outras cidades a criarem ONGs com o mesmo objetivo, como aconteceu em Itacarambi, Santa Cruz de Salinas e Mirabela.

Para a Asajan, a situação piora na medida em que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) veta que vereadores, na qualidade de cidadãos, proponham ações judiciais para forçar prefeitos omissos a exibir suas contas. "A lei faculta a qualquer cidadão propor ação de exibição de documentos contra os prefeitos, mas o TJMG entende que, isoladamente, vereadores não podem fazê-lo.

É um contra-senso, porque a eleição não retira da pessoa a cidadania, ao contrário, a reforça", defende o dirigente da Asajan. Outro estímulo à falta de prestação de contas apontado pela Asajan é a dificuldade de acesso ao Ministério Público e ao Poder Judiciário. A maioria dos municípios não conta com juízes e promotores. De acordo com a Asajan, "é dispendioso para um morador de Pedras de Maria da Cruz, Cônego Marinho, Bonito de Minas ou Itacarambi ir até Januária, sede da Comarca, encaminhar pedido de providências". Esses municípios são citados apenas como exemplo. O mesmo ocorre com os moradores de Jaíba, Matias Cardoso e Miravânia, que têm de se dirigir até a Comarca de Manga. "Isso acontece no Estado inteiro", revela Cleuber Oliva.

Para o dirigente da ONG, uma solução possível para o problema seria a realização de mutirões e audiências públicas conjuntas do Judiciário e do Ministério Público nos demais municípios que compõem as comarcas. "Não é um problema exclusivo do Norte de Minas. É um problema que acontece no país inteiro", ele diz.

PÚBLICO X PRIVADO



Região é pródiga em mau exemplo de uso do dinheiro público


Por Fábio Oliva - Cortesia para o Blog


Boa parte dos prefeitos do Norte de Minas insistem em esconder suas contas das vistas da população e dos vereadores que deveriam fiscalizá-las. Do Norte de Minas não somente, os prefeitos mandam às favas a orientação do ministro Walton Alencar Rodrigues, do Tribunal de Contas da União (TCU), de que "o dever de prestar contas constitui um dos pilares do sistema republicano". De acordo com Alencar Rodrigues, "a ausência de prestação de contas significa não somente o não cumprimento da Constituição e das leis, mas a supressão da transparência nos atos de gestão, a ausência de comprovação da lisura no trato com a coisa pública, a efetiva possibilidade de que recursos públicos transferidos aos municípios tenham sido desviados em benefício de administradores improbos, ou de pessoas por ele determinadas".


Senão vejamos. São João das Missões, município de 10,8 mil habitantes, localizado a 676 km de Belo Horizonte, é um caso típico. No município cuja intensidade da pobreza medida pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) atinge 66,94%, desde que tomou posse, em 2005, o prefeito José Nunes de Oliveira (PT), índio da etnia Xakriabá, não envia as prestações de contas à Câmara de Vereadores.


Sem acesso às notas fiscais, notas de empenho, contratos, extratos bancários e outros documentos, que deveria ficar à disposição para exame por parte de qualquer cidadão na Câmara de Vereadores, como determina a Constituição Federal e a Lei de Responsabilidade Fiscal, não é possível aos moradores saber a lisura do que é feito com o dinheiro público. Os moradores sabem apenas que, em meio à pobreza extrema, crianças da rede municipal de ensino chegam a parar de estudar, por falta de dinheiro para comprar um par de sandálias, que custa em torno de R$ 10.


A situação encontrada em São João das Missões tem tudo a ver com a falta de efetividade da fiscalização que deve ser feita por órgãos oficiais como o Tribunal de Contas da União, Controladoria Geral da União, Tribunal de Contas de Minas Gerais, câmara municipal e, também, diretamente, pela população, por meio do que se convencionou denominar de exercício do controle social da administração municipal.


Como controla a maioria dos vereadores, o xakriabá petista não vê qualquer ameaça em descumprir a legislação. Qualquer medida contra ele precisaria ser aprovada por pelo menos sete dos nove vereadores. O expediente de controlar pelo menos dois terços dos integrantes das câmaras é comum entre prefeitos que não gostam de prestar contas. Encastelados nas prefeituras, e blindados por vereadores que ao invés de exercerem seu papel constitucional de fiscal do povo, usam seus mandatos como moeda de troca, dando proteção a executivos ímprobos para obterem benefícios para seus eleitores e parentes, muitos prefeitos seguem sem dar bola nem mesmo para as recomendações expedidas pelo Ministério Público.


Atendendo a uma solicitação dos vereadores Jonesvan Pereira Oliveira (PT), Adélia Ribeiro Lopo (PDT) e Maria Zita Barbosa Lacerda (PDT), a promotora Andrea Beatriz Rodrigues de Barcelos bem que recomendou ao prefeito de São João das Missões, em janeiro, que prestasse contas à Câmara Municipal, relativas aos anos de 2005 a 2007. Segundo a promotora, "é inconstitucional e ilegal qualquer ato tendente a subtrair a prestação de contas da Prefeitura da apreciação de qualquer cidadão e dos vereadores". Passados quatro meses desde a recomendação, o prefeito José Nunes de Oliveira continua fazendo ouvidos de mercador para a recomendação. E nada acontece. A esperança do trio de vereadores oposicionista é de que a Promotoria de Justiça proponha ação civil pública contra o prefeito de São João das Missões por omitir a prestação de contas dos vereadores e da população.


Prefeito Don Juan


Em Miravânia, município de 4,7 mil habitantes, a 818 km de Belo Horizonte, o prefeito Epídio Gomes Dourado (PTB), o "Bila", esperneia na Justiça desde o ano passado para não ter que prestar contas de sua administração. Para que ele apresentasse a relação de funcionários da Prefeitura, foi necessária uma ordem judicial.


"Bila" é acusado de transformar a Prefeitura num cabide de empregos para seus familiares e para parentes de políticos que o apoiam. No dia 20 de abril ele foi flagrado usando veículo oficial para namorar em Januária. Em Miravânia, a intensidade da pobreza medida pelo PNUD atinge 69,38%, demonstrando a relação direta entre o mau uso do dinheiro público e as condições de vida da população.


Em Santa Cruz de Salinas, município de 5,2 mil habitantes, a 665 km de Belo Horizonte, foram encontradas na contabilidade da Prefeitura cerca de R$ 76 mil em notas fiscais "frias", emitidas por uma empresa fantasma. A intensidade da pobreza no município, medida pelo PNUD, é de 66,60%. Os moradores só ficaram sabendo do fato porque fotocópias das notas fiscais "vazaram" o bloqueio imposto pelo Albertino Teixeira da Cruz (PSDB), cujos desmandos incluem a doação de um Fiat Uno da Prefeitura de Santa Cruz de Salinas a um cabo da Polícia Militar. Desde 2005, Câmara Municipal e a população não vêem as prestações de contas da Prefeitura.


Em Pedras de Maria da Cruz, município de 10,9 mil habitantes, a 599 km de Belo Horizonte, vereadores procuraram o Ministério Público em Januária, para pedir providências contra o prefeito Manoel Carlos Fernandes (DEM, ex-PFL). Alegam que há dois anos o prefeito não envia prestação de contas de sua administração à Câmara Municipal e querem vê-lo processado por improbidade administrativa.


Antes de seus colegas de Pedras de Maria da Cruz, os vereadores David Rodrigues Vieira e Luís Belchior, de Ibiaí, também recorreram ao Ministério Público para ter acesso às prestações de contas do prefeito Mauro César Salles Cordeiro. Até agora não obtiveram resultado.
 
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